Viúva, acusada de ser queimada, descoberta em Paris por Paulo Kuczynski. Agora exposta no Museu Lasar Segall em São Paulo. Abominações, loucura, insolência, inépcia, degeneração. Arte degenerada: Degenerada, Entartete, Kunst. Confiscadas modernistas, leilões privados, Suíça. Espólio de um artista obscuro, autenticidade questionada, antigos catálogos. Previamente incineradas, espólio de um. Widow.
‘Os senhores contemplam ao nosso redor essas manifestações da loucura, da insolência, da inépcia e da degeneração. O que a visão capta, nos provoca, a todos nós, impacto e aversão.’ Desta forma, Adolf Ziegler, líder da Câmara do Terceiro Reich de Artes Plásticas, inaugurou, em 19 de julho de 1937, em Munique, a mostra Arte Degenerada — Entartete Kunst, em alemão.
Mesmo diante de nenhum entendimento, a exposição despertou debates e controvérsias, revelando a diversidade de interpretações sobre a História de uma tela. A arte, muitas vezes, desafia as convenções e questiona os padrões estabelecidos, convidando-nos a refletir sobre a complexidade das expressões humanas.
História de uma tela: A saga das ‘abominações’ confiscadas
As ‘abominações’ eram 650 obras, retiradas à força de 32 renomados museus alemães. Consideradas ‘abominações’ por desafiarem os padrões estéticos nazistas, essas obras modernistas eram um reflexo da liberdade criativa de seus autores. Entre os ‘degenerados’ estavam nomes como Pablo Picasso, Marc Chagall, Wassily Kandinsky, Van Gogh, Paul Klee, Lasar Segall, Max Ernst, Otto Dix, Henri Matisse e Lovis Corinth, cujas obras desafiavam a valorização doentia da perfeição imposta pelo regime.
As peças de artistas consagrados, como Picasso, Chagall e Kandinsky, foram leiloadas em eventos privados na Suíça, enquanto as demais estavam destinadas à incineração. Em 13 de janeiro de 1938, Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler, registrava em seu diário: ‘Nenhum quadro será poupado’, indicando a brutalidade do regime em relação à arte considerada ‘degenerada’.
Oitenta e cinco anos depois, uma reviravolta surpreendente veio à tona. Descobriu-se que uma dessas ‘abominações’, a tela intitulada Viúva (Witwe), do artista lituano Lasar Segall, de origem judaica, havia sido poupada do destino cruel imposto pelo regime nazista. Em 2022, o marchand Paulo Kuczynski, alertado por um colega francês, encontrou uma pintura semelhante ao quadro de Segall em meio ao espólio de um artista obscuro.
Com base em fotografias antigas e escassas referências, Kuczynski adquiriu a obra em Paris e a trouxe para o Brasil, preservando assim um pedaço valioso da história da arte. A autenticidade da tela foi confirmada pela equipe técnica do Museu Lasar Segall, ressaltando sua importância como testemunha da resistência artística em tempos sombrios.
Viúva, mantendo suas cores vibrantes e sem ter passado por restaurações, é agora o destaque da mostra Witwe no Museu Lasar Segall, juntamente com gravuras do artista da mesma época. Pintada em 1920 durante a fase expressionista de Segall em Dresden, na Alemanha, a obra reflete a intensidade emocional e a expressão subjetiva característica desse movimento vanguardista.
A exposição, que vai de 19 de maio a 11 de agosto, resgata não apenas a obra de Segall, mas também a memória de um período conturbado da história da arte. Viúva é mais do que uma pintura reencontrada; é um símbolo de resistência e resiliência artística, uma narrativa profunda e intrigante que ecoa através das décadas, enriquecendo nosso entendimento da Arte Degenerada e seu impacto duradouro.
Fonte: @ NEO FEED
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